terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Alimentação na Madeira

A cozinha madeirense teve a sua origem no tempo da colonização da ilha (Cardoso, 1994: 12).
Os primeiros povoadores começaram, desde logo, a semear e a criar o gado, visto que, o clima era ameno e o solo produtivo, trazendo consigo os seus hábitos alimentares e costumes. Começaram por semear os cereais, depois o açúcar, seguindo-se o vinho (Cardoso: 12).
Os processos de cozinhar eram rudimentares, os comeres eram simples, elaborados com alimentos básicos, que o povo produzia. A gastronomia insular era resultado do nível de pobreza em que se encontrava a população. Contudo, ao povo, valia-lhe os dias de festa para modificar dieta tão pobre (Santos, 2005: 130). Com o avançar do tempo, os hábitos alimentares alteraram-se e a partir da metade do século XV, a cozinha madeirense foi enriquecida, com especiarias, tais como, pimentas, cominhos, noz-moscada, cravo, entre outras, trazidas do Oriente e que se difundiram entre os povos europeus (Cardoso: 12).
Os povos do litoral alimentavam-se, tradicionalmente, de peixe. Este acompanhava os produtos da terra. Era transportado por pessoas do povo, para as diversas freguesias do interior dentro de selhas, colocadas à cabeça pelos negociantes de peixe, para depois ser trocado por produtos hortícolas, batatas e semilhas (Cardoso: 13).
A carne de vaca era consumida ao domingo e em dias festivos. As carnes de criação doméstica eram as mais utilizadas. A espetada tradicional em pau de louro, hoje prato típico, era comer habitual dos romeiros. A carne de carneiro era comum na mesa conventual e senhorial (Cardoso: 13).
A doçaria popular ou de tabuleiro baseia-se nos doces de pirolitos, beijinhos, paciências, sessões, suspiros, bonecas de massa (não comestíveis) e rebuçados de funcho (Cardoso: 13).
A abundância de cereais como o trigo, o centeio, o milho e a cevada contribuiu para o elevado consumo de pão e para a produção de doces (Cardoso: 13).
É também importante referir a cozinha regional no século XVIII. No convento da Encarnação, a cozinha apresenta a singularidade e a abundância características da culinária conventual. O abastecimento do refeitório do convento era feito por carreteiros de leite e de azeite, de bacalhau e arenque, fretes de trigo e cevada e peixeiros (Veríssimo, 1987: 39).
À mesa era frequente a carne de vaca, fresca ou salgada. Também era utilizada a carne de galináceos e de carneiro, toucinho presunto e chouriços. O prato tradicional, no entrudo do Advento e Quaresma, dia de Natal e Domingo de Páscoa era a galinha. No dia de Jesus ou nos Reis era o picado de carneiro com cuscuz (Veríssimo: 39).
Na altura em que o calendário católico determinava abstinência alimentar, no convento cozinhavam o peixe. Existiam muitas variedades de peixe fresco, provenientes essencialmente de Câmara de Lobos, como as castanhetas, bicudas, sargos, lírios, cherne, peixe-agulha, atum e sardinhas. Era também comprado peixe seco, salgado e fumado como bacalhau, atum, arenques, salmão, sardinhas de fumo ou para fumar, cavalas e cavalinhas (Veríssimo: 39).
Quanto aos cereais, consumiam muito trigo, que era convertido em farinha para fazer pão, bolos, empadas, pastéis, outros doces e cuscuz. Usavam cevada, que era aproveitada para fazer pão, gófio (farinha de cevada torrada) e usada como alimento das mulas bem como o centeio. Utilizavam pouco milho e arroz. O pão acompanhava a carne e o peixe. As fatias demolhadas aparecem na maioria dos pratos desta época. Com o gófio e o leite de cabra ou de vaca confeccionavam as papas (Veríssimo: 40-41).
No convento alimentavam-se de grandes quantidades de legumes, como ervilhas, lentilhas, favas e feijão e de verduras, como abóboras, agriões, nabos e outras. Relativamente a temperos usavam azeite, vinagre, cravo e canela, cominhos, pimenta, açafrão e gengibre. Estes apuravam os estufados, assados, ensopados, guisados, empadas, pastéis, conservas, recheios, sopas, caldos, bolos e muitos outros manjares (Veríssimo: 42).
É possível delinear um calendário alimentar em função do calendário religioso, onde as diferentes épocas são distinguidas principalmente pela doçaria e pela alternância entre pratos de carne e peixe. Seguem-se alguns exemplos: No Natal confeccionavam bolos de mel, biscoitos, argolas e argolinhas. No entrudo da Quaresma, faziam malassadas, sonhos e meladas. No Domingo de Páscoa preparavam bolos. No Espírito Santo cozinhavam bolos de cevada ou de trigo novo e no Pão-por-Deus confeccionavam bolos e rosquilhas (Veríssimo: 42-43).
Na Santa Casa da Misericórdia consumiam mais carne do que peixe. Era mais utilizada a carne de vaca, carneiro e galinha e menos a carne de porco. Utilizavam também, leite, manteiga, ovos, leguminosas, marmelos, pêssegos, gingas, pêros e pêras para doce, verduras e peixe fresco, fumado e salgado (Veríssimo: 44).
Não se conhece muito sobre o regime alimentar na casa da Misericórdia. Sabemos que a alimentação não era muito condimentada, embora apareçam especiarias como cominhos e açafrão e que aos doentes era dado caldo temperado com cabeça de carneiro e engrossado com farinha de trigo. Consumiam muitos doces de pêro, ginga, pessegada e marmelada, pois eram-lhes associadas propriedades curativas (Veríssimo: 44-45).
O calendário alimentar, difícil de delimitar, é distinguido por três épocas: o Natal com confecção de bolos de mel, argolinhas e carne de porco, o Entrudo com carneiro e malassadas e o dia de Santa Isabel com carneiro e rosquilhas (Veríssimo: 45).
Segundo Veríssimo, parece que a mesa no convento da Encarnação era bem mais farta do que a da Misericórdia.
A mesa do governador, no Palácio de São Lourenço, era variada, com muita qualidade, requinte e em poucas partes do mundo se poderiam ver mesas semelhantes. Entre muitas coisas, comiam lebre, porco e faisões (Barrow, 1905; cit. por Veríssimo: 45). À mesa eram decididos negócios e políticas (Veríssimo: 46).
O povo era pobre e com poucos meios de subsistência, viviam com péssimas condições de vida provocadas pelo predomínio de uma cultura rica – o vinho –, pelo sistema tributário, pelos privilégios da nobreza e do clero e pelos concedidos aos mercadores estrangeiros e pela estratificação da sociedade e abandono conferido às populações humilde (Veríssimo: 46). A alimentação dos camponeses era modesta, consistia em pão, cebolas, vários tubérculos, pouca carne, inhame, batata-doce, castanhas, trigo e cevada. As colheitas produziam pouco e importavam milho e outros em troca de vinho (Cook 1986; cit. por Veríssimo: 47).
Da rica alimentação do Convento da Encarnação à dieta pobre do povo, dos banquetes de S. Lourenço à sóbria cozinha da Misericórdia encontram-se práticas culinárias diversas associadas a estruturas sociais diferentes.

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