quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Conclusão

Após a elaboração deste trabalho, constatou-se que a nossa gastronomia é diversificada.
No início da história da Madeira, a alimentação era muito simples sendo apenas constituída por alimentos provenientes da terra, valendo às famílias as épocas festivas, como o Natal e o Espírito Santo, altura em que a sua alimentação se tornava mais rica.
Alguns comeres foram entrando em desuso, como por exemplo, a sopa de gofe e o frangolho, enquanto que alguns se mantiveram, como por exemplo, a canja de galinha e o milho, enquanto, outros novos foram surgindo.
O calendário religioso e o calendário agrícola estabeleciam os diversos momentos que marcavam a gastronomia madeirense.
A tradição estabeleceu uma ementa, que depois foi sofrendo alterações, quer pelo contacto com visitantes, quer pelo aparecimento de novas técnicas relacionadas com a alimentação, transformando o acto de comer. Hoje, a nossa culinária é fruto da tradição e da inovação.
A gastronomia regional faz parte do património cultural, engloba vivências que interessam preservar e divulgar.

Pratos Típicos

Desde cedo que a Madeira também se caracteriza e destaca pelos seus pratos típicos de intenso paladar.
Alguns desses pratos são a sopa de agrião, a tartaruga cozida, as garoupas fritas, a sopa de abóbora, a sopa de couve com carne de porcoa, a sopa de feijão com carne, a açorda com ovos, a canjab, a caldeirada com vários peixes regada com poncha de aguardente velha, lascas de ou postas de gaiado, moreia, cavala cozida com segurelha e alho em molho vilão, chicharro cozido, espada frita, rolo de espada em escabeche, atum escabeche, bacalhau com semilhas ou batata doce, milho cozido com espigos de couve ou peixe, feijões com pé de inhame, papas de milho, couves cozidas, massa ou galinha guisada, pimpinelas com carne de porco na frigideira, o polvo cozido ou escabeche, o frango assado, a espetada que é carne de vaca cortada em cubos temperados com louro e sal, assados na brasa num espeto de louro, barrados com manteiga de alho e acompanhada de milho frito ou bolo do caco e o picado rodeado com batata frita em palitos (Santos, 2005: 109).
Existe também a carne de vinho e alhos típica do Natal e preparada dez dias antes do dia vinte e cinco de Dezembro, o frango com bananas, o qual, após a preparação, a banana dá um aspecto de molho grosso que cobre os pedaços de frango e lhes confere um sabor exótico e o faisão assado com vinho Madeira (Abreu, 1984: 152-172). Ainda característico da ilha da Madeira, mais propriamente do norte, é o panelo (Figura 5). Típico do Seixal, o panelo é feito num palheiro onde se juntam um grupo de pessoas e descascam verduras e carnes e cozem em panelas ao ar livre. Depois de tudo cozido, deitam em cima de uma toalha e partilham este saboroso almoço[1].


Alguns pratos:



Sopa de couve



Canja














[1] http://arrancapinheiro.blogspot.com/2007/01/panelotradio-do-norte-da-ilha-da.html




Ervas, especiarias e molhos

Ervas aromáticas

As ervas aromáticas transformam de forma positiva os alimentos e algumas combinações são boas para adicionar ao prato como por exemplo: o manjericão com tomate, o estragão com frango, o tomilho e o alecrim com borrego, e os orégãos com queijo e ovos.
Todavia, as combinações não são obrigatórias; o que é bom na cozinha é o facto de haver sempre um grande âmbito para novas experiências e para a possibilidade de novas e bem sucedidas misturas de sabores.
As ervas aromáticas deverão ser utilizadas frescas, sempre que possível, sendo os orégãos a única excepção, visto que têm um aroma ainda melhor depois de secos. A maior parte das ervas podem ser facilmente cultivadas.
Actualmente, é mais fácil obter ervas frescas durante todo o ano e é curioso que, ainda há pouco tempo, só se conseguiam comprar pequenas embalagens com uma curta variedade de ervas secas. De qualquer forma, muitas das ervas como o manjericão e a salsa, perdem por completo as suas características quando secas. Depois de usarmos as ervas, o azeite aromatizado poderá ser utilizado para temperar saladas.
Nada se compara à fragrância das ervas frescas em saladas ou espalhadas sobre legumes cozidos e as que têm folhas de belos formatos são excelentes para decorar um prato. Havendo ervas frescas em casa, não existe a preocupação de o prato ter um aspecto descolorido: desde que o gosto da comida seja bom, pode-se melhorar rapidamente o aspecto do prato com algumas ervas. Mesmo os melhores estufados, guisados ou sopas tornam-se mais apetitosos se espalharmos sobre eles ervas picadas, os caldos e os molhos ficam diferentes.
Antigamente, as ervas aromáticas tinham um papel importante na medicina, na cosmética, na perfumaria e essencialmente na cozinha tradicional madeirense.
São várias as ervas aromáticas usadas na gastronomia madeirense, tais como: o alecrim, o alho, os coentros, a cravo da Índia, a erva cidreira, a erva doce, o funcho, a hortelã, o louro, o manjericão, a manjerona, os orégãos, a pimenta doce, a salsa e a segurelha[1].



Alecrim

É uma erva aromática mediterrânea usada para temperar carnes e peixes grelhados (Abreu, 1984: 358).

Alho

É uma planta originária da Ásia Central, mas a sua expansão deu-se a partir das regiões mediterrânicas. É um membro da família das cebolas, um ingrediente tão aromatizante como qualquer erva fresca. O aroma do alho nos cozinhados é mais apetitoso do que qualquer outro. Usa-se com quase todos os ingredientes, excepto com os mais delicados, se for utilizado da maneira devida. Quando está cru ou ligeiramente cozido, o seu gosto é forte e intenso, mas, quando cozido durante longo tempo com lume brando, o alho torna-se suave e doce. Por isso alguns pratos ou molhos necessitam apenas de uma pequena porção de alho, enquanto os pratos de cozedura prolongada beneficiam da adição de diversos dentes (Abreu, 1984: 358).

Coentros

É parecido com a salsa, contudo as folhas são mais escuras, grossas e recortadas e é usado para temperar sopas, peixes, caldos, milhos, guisados de carne e caldeira (Abreu, 1984: 360).

Cravo-da-índia

Também é conhecido por cravinho e tem um sabor picante. Este, por sua vez, é originário das Ilhas Molucas. É usado nos molhos, pratos de carne, caldeira, doçaria e nas bebidas (Cardoso, 1994: 104).


Erva-cidreira

Erva odorífera, não só usada para fins medicinais como também para temperar carne, peixe assado, sopas e saladas. Utilizam-se as folhas inteiras em ponchas e bebidas de frutas (Abreu, 1984: 360).

Erva-doce

Tem um cheiro parecido com o anis, é muito usado nos bolos, pães, pudins e na cozedura das castanhas (Abreu, 1984: 359).

Funcho

É uma planta mediterrânica (italiana) de sabor anisado. É usado na doçaria, licores, saladas e em pratos de peixe. As suas sementes utilizam-se como especiaria (Abreu, 1984: 361).

Hortelã

Esta erva aromática tem origem na Europa, entre as mais importantes ervas culinárias encontramos a hortelã, que tem uma vasta gama de sabores, conforme a variedade. Tem um aroma intenso (hortelã pimenta) com inúmeras aplicações nas bebidas, infusões, molhos, espetada, num assado, nas saladas, acompanhando frutos, mariscos e confeitaria. A hortelã de leite é mais suave e junta-se ao leite (sopas de leite) (Abreu, 1984: 361).

Louro

É uma das folhas mais usadas na culinária madeirense, tanto seca como fresca. Tempera carne, caldos, peixes, guisados, estufados, molhos e marinadas. Os seus paus servem para a tradicional espetada madeirense (Abreu, 1984: 361).

Manjericão

É originário da Índia, com um sabor alimonado e também conhecido por Basílico. Conserva-se bem no azeite. Aromatiza arroz, sopas, caldos, molhos, saladas, ovos e alguns peixes (Abreu, 1984: 362).

Manjerona

É uma erva adocicada, semelhante aos orégãos, mas muito menos agressiva. O seu sabor delicado é destruído pela cozedura prolongada, pelo que é preferível adicioná-la pouco antes de servir. É boa quando adicionada a frango estufado, sopa de legumes e peixe (Abreu, 1984: 362).

Orégãos

É uma planta aromática muito frequente nos campos. Condimenta numerosos pratos sobretudo de peixe, massas, caldos, molhos e saladas. É um conhecido aromatizador dos pratos secos, cozidos em Junho, na noite de S. João, semilhas com orégãos (Abreu, 1984: 362).

Pimenta doce

É conhecido pelo tradicional «colorau». O seu sabor pode ir do adocicado ao picante. Usa-se nos pratos de peixe, caldos, sopas, molhos, carnes e enchidos (Cardoso, 1994: 105).

Salsa

Tradicionalmente utilizada apenas para guarnição, a salsa fresca também dá um excelente sabor a sopas e molhos. Existem duas variedades, com folhas lisas ou frisadas, sendo a de folhas lisas mais decorativa e de sabor mais forte. Muita salsa picada, um pouco de alho esmagado e azeite extravirgem aromatizado constituem um excelente toque de acabamento para pratos de carne e peixe grelhados. A salsa também pode ser frita e servida com o peixe, ou reduzida a puré, com um pouco de manteiga, para obtenção de um molho rápido para servir com frango ou vitela (Abreu, 1984: 363).

Segurelha

As variedades de Inverno e de Verão desta erva têm um sabor vagamente a tomilho, mas são mais amargas. A segurelha de Inverno é ligeiramente mais suave. Condimenta sopas de feijão verde, feijão com massa, em guisados e carne estufada (Abreu, 1984: 363).

Algumas ervas:


Segurelha e salsa


Alho
Especiarias

A viagem efectuada por Vasco da Gama (1497 – 1499), contribuiu para a divulgação do consumo de especiarias, embora já sejam conhecidas pelos europeus, mas com a viagem tomou uma rota segura de propagação. Assim sendo, à mesa consome-se as pimentas orientais. A localização da ilha, o património histórico contribuiu para a confirmação, desde o século XV e colaboraram na evolução da mesa gastronómica. As ligações entre a ilha e outras regiões tiveram especial atenção na culinária[1].
No Oriente foram as especiarias que dinamizaram as rotas comerciais e cobiça dos europeus.
As comidas bem temperadas não são necessariamente as mais picantes. As especiarias são uma complexa variedade de produtos aromáticos que fazem realçar aspectos desconhecidos dos ingredientes - e apenas algumas, como o piri-piri, as pimentas e o gengibre, «picam ou ardem na língua».
Uma especiaria adicionada a um prato suave pode torná-lo extremamente agradável. Também pode ser um tempero miraculoso no último momento para muitas coisas, tanto salgados como doces; por exemplo, noz-moscada ralada sobre os legumes, pudins de leite e pratos de queijo, ou sementes de alcaravia adicionadas a batatas doces e abóbora.
A canela é outra especiaria que faz realçar tanto os pratos salgados como os doces; é especialmente boa no frango, utilizando-se paus inteiros para dar gosto a um estufado. A tosta de canela - pão frito com manteiga e barrado com canela em pó é muito bom.
Tal como é melhor utilizar ervas frescas, também o sabor das especiarias é mais pronunciado quando as compramos inteiras e apenas as moemos quando necessitamos. Antes de usar as especiarias (inteiras ou moídas) é melhor aquecê-las rapidamente numa frigideira seca, para realçar os aromas.
Podemos fazer experiências com diferentes especiarias, do mesmo modo que com as ervas, as pessoas ficam intrigadas com o gosto difícil de definir de uma determinada especiaria num certo prato. Também podemos fazer a nossa própria mistura de especiarias, para usar nos pratos. Um cuidadoso tempero da comida parece animar as pessoas, e as comidas condimentadas, numa festa, são quase sempre mais notadas e mais recordadas.
Na gastronomia madeirense encontramos diversas especiarias, tais como: a canela e a pimenta da terra ou malagueta[2].

Canela
Extraída da casca de uma planta perene natural do Ceilão, é vendida em paus ou moída, e conserva-se bem. A cássia é semelhante à canela, mas tem uma textura mais grossa e um gosto menos delicado. Utilizamos os paus de canela para condimentar o frango, o borrego, as sopas, os caldos ou os legumes estufados e a canela moída para pratos cozinhados, sobremesas e para perfumar bebidas. O sabor é especialmente bom com maçãs, pêras e chocolate (Cardoso, 1994: 103)
Pimenta da terra ou malagueta

Planta de origem americana é a especiaria mais usada em todo o mundo, dando aos cozinhados um sabor singular picante. Tempera peixes, carnes, guisados, marinados, entre outros (Cardoso, 1994: 105).

Molhos – Carne e Peixe

O vinho adquiriu grande prestígio na arte de cozinhar dos grandes mestres da cozinha francesa, sendo um dos ingredientes fundamentais nos mais variados pratos ou molhos.
Os molhos são estimulantes do paladar e dão um sabor diferente aos peixes, carnes e legumes.
A nível dos molhos, temos o molho Madeira de vinho seco para acompanhar carnes e o molho doce para acompanhar fruta e saladas.
Ao peixe estão associados o molho de vilão e, com maior expressão na obra, o de escabeche, que tanto tempera como conserva marisco (caramujos), peixe habitualmente frito (atum e rolos de peixe-espada preto) e legumes (cebolas) (Santos 2005: 131).

[1] VIEIRA, Alberto (s.d.). Cozinha Madeirense. Consultado a 2007.10.28 em: www.cozinhamadeirense.com
[2] Especiarias (s.d.). Consultado a 2007.10.28 em: http://www.gastronomias.com/especiarias/canela.htm

[1] Ervas Aromáticas (s.d.). Consultado a 2007.10.28 em: http://www.gastronomias.com/ervas/

Doces e açucares tradicionais

Desde muito cedo que a doçaria foi introduzida como um regionalismo, sendo instituída primariamente nos conventos de Santa Clara e da Encarnação, onde as receitas das mesas senhoriais das embaixadas da Corte e do Papa eram ornamentadas pelas freiras que confeccionavam os doces mais sofisticados (Cardoso, 1994: 30).
A origem dos doces deveu-se à elevada produção da cana-de-açúcar que por sua vez, teve origem na Secília, mas introduzida prematuramente na ilha, no século XV (Figueira, 1993: 15).
Foi através da riqueza da cana-de-açúcar que se construiu a conhecida Sé Catedral do Funchal, pois no século XV, D. Manuel cedeu um campo de cultivo (actual entrada da Catedral) para a construção da mesma, iniciando-se em 1493 e o terminando em 1508 (Veríssimo, 2003:19-21).
A produção e comércio do açúcar na ilha da Madeira tiveram início nos séculos XV e XVI. Nesta altura existiam cerca de trinta e três engenhos, a maior parte deles muito pequenos. Com o passar do tempo, a produção de açúcar foi diminuindo, devido às exportações para os outros países, o que levou ao encerramento de alguns engenhos. Ainda existem três engenhos activos, sendo eles o engenho do Ribeiro Seco, no Funchal, o engenho da Calheta, que trabalha com a força de vapor e água, e o engenho do Porto da Cruz. A cana-de-açúcar, cresce durante um ano, atingindo os dois metros de altura e só na Primavera é que se colhe as canas para as esmagar e extrair o açúcar, formando posteriormente, o mel de cana-de-açúcar (Ferreira, 1993: 15).
A doçaria caseira era cozida sobre folhas de bananeira e fundos de flandres que substituíam os actuais tabuleiros, sendo espalhados pela ilha através das festas e das romarias. A verdadeira arte e segredo da preparação destas doçarias foram-se perdendo ao longo do tempo com a industrialização, pois, hoje em dia, tudo se compra em supermercados e a grande produção de um mesmo produto implica alterar a receita para algo mais simples (Cardoso, 1994: 30).
As doçarias mais conhecidas da gastronomia tradicional madeirense, são o bolo de mel, tradicionalmente confeccionado no Natal e ligado ao início da produção da cana-de-açúcar e ao aparecimento das especiarias vindas da Índia, as broas de mel, também características do Natal, o bolo preto, o bolo podre, as rosquilhas da Felisberta que são biscoitos muito finos compostos por dois fios de massa entrelaçados, as barrigas de freira, os beijos frade, os breteretes, composto apenas por açúcar mascavado, o pão-de-ló, os pirolitos, as paciências, o bolo de família, tradicionalmente conhecido pelo corte miudinho dos frutos secos por toda a família, os suspiros, as queijadas da madeira, oriundas do campo, cuja sua confecção só se iniciou no século XX, depois de ter sido espalhada por uma inconfidência do Convento de Santa Clara, e entre muitos outros, os rebuçados de funcho. O funcho e a erva-doce são originários da semente de anis, sendo possível elaborar rebuçados de funcho com qualquer uma destas ervas. Estes rebuçados devem ser feitos por profissionais pois, é muito difícil para quem não tem especialidade na arte da culinária. Os rebuçados de funcho exigem então uma grande prática, porque a pasta de açúcar tem de ser puxada ainda quente e tem de ficar homogénea e lisad (Abreu, 1984: 254-331). Destacando os doces, existem o doce de uveira da serra, uvas características da serra da Encumeada, no norte da Ilha, com dimensões reduzidas, o doce de amoras, de marmelos, de figos, de abóbora amarela, compota de batata e o doce de pimpinela branca, cujo legume deve estar bem maduro e já com rebentos de folhagem (Abreu, 1984: 231-232).
O Bolo de Mel surgiu através do aparecimento das especiarias e das ervas aromáticas, nos fins do século XVI e início do século XVII. Este é uma iguaria que não falta nas casas tradicionais madeirenses, sendo dividido em dois tipos. O bolo de mel dos menos ricos, só condimentados com açúcar mascavado, mel e cravinho e o dos mais ricos é ainda composto por especiarias e repleto de ornamentos que normalmente são frutas cristalizadas e amêndoas. Este continua a ser usado em todo o tipo de festas, sendo o mais admirado no menu dos doces[1].
Como fazer os rebuçados de funcho e os bolos de mel:








[1] http://www.avieira.net/pdf/avieira/2004-sucarquotidiano.pdf

Legumes típicos da região

Os produtos hortícolas são também abundantemente cultivados na ilha da Madeira, dos quais podemos destacar as abóboras, batatas (a que os madeirenses chamam semilhas), batatas-doces, cebolas, couves, esparregado de verduras (constituído por folhas de nabo, urtigas acelgas e espinafres), espigos de couves, favas, feijões, feijão verde ou “vaginha”, inhame, maçarocas, nabos, pimpinela, e outros. É de salientar, também, as plantações de milho, batatas e legumes feitas por baixo das vinhas (Figueira: 17).
Falando um pouco da batata, esta é oriunda dos Andes, e foi descoberta pelos europeus no ano de 1539. Na Madeira, a sua difusão deu-se no princípio do século XIX, mas a sua presença na ilha está documentada desde 1760. Cardoso refere, na sua obra, que o nome dado à batata pelos madeirenses, deriva da palavra espanhola semilla (semente), pelo facto de ter sido escrito, este mesmo nome, nas etiquetas das caixas que acompanharam as primeiras sementes do tubérculo para a região.
Relativamente à batata-doce, esta foi o principal alimento da população madeirense há alguns anos atrás. Oriunda da América do Sul, surge na Madeira no século XVII, onde, por sua vez, podemos encontrar algumas variedades, tais como, inglesa, rama santa, amarela ou de Santana e de rama preta. A batata-doce foi usada na doçaria (batatada) para além do bolo e pudim e pode-se comer cozida ou assada (Cardoso: 106).
O inhame, por sua vez, é comido, geralmente, na Páscoa mas já não é muito vulgarizado. Segundo Agustina Bessa-Luís, referenciado por Santos, «o inhame era o legume do pobre, quase o pão do colono».
A “vaginha” é o termo popular e regional utilizado para classificar o “feijão verde”, um dos muitos legumes que constituem o prato dos campestres e os principais acompanhamentos para carnes e peixes (Santos, 2005: 33).
Segundo Horácio Bento Gouveia, referido por Santos «A culinária insular é o reflexo nítido do nível de pobreza em que emergia a maioria da população: no campo predominava a batata-doce, a couve, a semilha e o inhame, na cidade destacava-se o milho cozido, nas casas de pasto dominam os fritos, seja por ser mais económico e prático, seja porque certos peixes só se prestam pela referida modalidade culinária, nomeadamente o chicharro e a castanheta. Contudo, aos populares, valiam-lhes os dias de festejo para alterar dieta tão pobre.»Santos refere, na sua obra, que o agricultor cultivava legumes para “ir matando a fome”, cultivando semilhas pela Primavera, feijão em Junho, juntamente com bogangas e pimpinelas. Deste modo, o produto da terra permitia ao caseiro, quando a colheita era boa, realizar “patuscadas” e, assim, poder ganhar algum dinheiro.

Legumes:
Batata doce e cebolas



Pimpinelas e couves



Abóboras


Frutas Tradicionais Madeirenses

As frutas são alimentos nutritivos que são consumidos, normalmente, como complemento das refeições e constituem matéria-prima para numerosos produtos, tais como, sumos, néctares, geleias, doces, compotas, saladas, entre outros que servem de base para uma alimentação saudável e equilibrada (Ferrão, 1999: 17).
Nas últimas décadas, a fruticultura tem sido reconhecida mundialmente e, consequentemente, passou a ser de grande importância económico-social para alguns países (Ferrão: 11).
Nomeadamente ao contexto de produção na Região Autónoma da Madeira, encontramos várias frutas que se diferenciam por apresentarem características especiais devido à sua origem e ao modo particular de produção. Destacam-se, principalmente, os frutos mediterrânicos e tropicais, pelo facto da ilha avantajar de um clima ameno e tropical que favorece o cultivo destes produtos (Cardoso, 1994: 106).
Deste modo, salientar-se-á, de seguida, alguns destes produtos subtropicais que fazem parte da gastronomia tradicional madeirense, há já largos anos.
Abacate

O abacateiro é um dos muitos alimentos que a América Central ofereceu ao mundo, sendo originário das regiões altas e baixas da Guatemala, Antilhas e México. Devido à sua origem adapta-se muito bem a climas subtropicais. Deste modo, foi introduzido na Madeira no século XVIII como árvore ornamental, mas o seu fruto foi ignorado durante muitos anos na ilha[1]. Contudo, foi também o terceiro fruto mais exportado na Madeira, a seguir da banana e da anona. A sua época de floração é entre Outubro e Dezembro[2].
O abacate pertence às árvores da família das laureáceas e o seu nome científico é Persea americana Mill. Este fruto é também conhecido por abacado, pêra-de-avogado e na Madeira por pêra-abacate, pois tem a forma semelhante a uma pêra, com casca áspera de cor verde ou violeta, contendo uma polpa espessa e cremosa, com sabor característico e delicado e um caroço grande e liso. Existem mais de quinhentas variedades de abacateiros, o que explica os muitos tipos de abacate, diferentes na forma, tamanho e cor, que encontramos na ilha da Madeira.
O abacate é um fruto nutritivo usado sobretudo, na culinária, em entradas, acompanhamentos e sobremesas, como também na saúde, pois as suas folhas e flores têm propriedades diuréticas. Além disso, contém vitaminas A e B e alguns sais minerais como ferro, cálcio e fósforo.

Anona

A anona, cujo nome científico é Annona cherimola Mill é originária do Peru e Colômbia. Trata-se de uma árvore de fruto que é cultivada desde tempos remotos em muitas localidades da costa sul da Madeira. A cultura da anona na ilha pode ir até aos 550 m de altitude na costa sul e até aos 280 m na costa norte, sendo a sua época de floração entre Novembro e Janeiro (Ferrão: 112).
É um fruto subtropical, exótico, produzido na Madeira, de sabor característico e muito agradável, muito apreciado pela população local e por todos os que visitam a ilha (Ferrão:113).
Na Madeira existem duas variedades, facilmente distinguíveis pela casca, a Anona Lisa, a mais apreciada, pois a casca é mais fina, com poucas sementes, polpa dura e doce, comum em terrenos secos; e a Anona Escamosa, que como o próprio nome indica tem uma casca grossa, com muitas escamas, polpa cremosa recheada de sementes, não sendo tão doce como a lisa, mas na mesma deliciosa, encontrando-se em terrenos regadios ou menos secos. A polpa é branca, cremosa, sumarenta e com elevado valor alimentício[3]. Segundo Ferrão, esta fruta ode ser consumida às refeições como sobremesa ou a qualquer outra hora do dia. É também utilizada no fabrico de licores e na doçaria.

Banana

A banana é uma fruta da bananeira, uma planta herbácea da família Musaceae. A bananeira é uma planta originária das terras baixas dos trópicos húmidos, nomeadamente, do sudoeste da Ásia[4].
Nos séculos XV e XVI, colonizadores portugueses começaram a plantação sistemática de bananeiras nas ilhas atlânticas, no Brasil e na costa ocidental africana. Mas as bananas mantiveram-se, durante muito tempo, desconhecidas da maior parte da população europeia (Figueira, 1993: 16).
Segundo o mesmo autor, as bananas constituem o terceiro produto alimentar e primeiro fruto produzido na Madeira para exportação e consumo dos residentes e encontram-se durante todo o ano na ilha.
Estas formam-se em cachos, podendo variar na sua forma e variedade. Na Madeira encontramos vários tipos de banana, tais como, a banana de prata, a banana-anã, banana-terra e banana-maçã que nascem de um verdadeiro caule subterrâneo que chega a durar 15 anos.
Na cozinha, a banana é utilizada essencialmente nas sobremesas e também como acompanhamento de pratos principais, sendo indispensável nas saladas de fruta (Figueira, 1993: 16).

Castanha

A castanha é um dos produtos que, fresco ou seco, esteve na raiz da alimentação medieval europeia e, durante séculos de escassez, ajudou a que populações vivendo em aldeias e lugares, tivessem alimento.
Este fruto é oriundo da Ásia Menor, Balcãs e Cáucaso, estando implementado em Portugal há já alguns séculos, sendo de grande interesse sócio-económico, pelo facto de substituir a ausência do pão nos tempos remotos.
Na Madeira, pode-se encontrar castanhas, essencialmente, no Curral das Freiras e é um fruto característico do Outono e Inverno, podendo ser consumida crua, assada e cozida.

Fruto Delicioso

O fruto delicioso, como é conhecido na Madeira, pertence à família das Aráceas, sendo originário da América Central, mais precisamente do México, mas como a ilha é caracterizada por um clima subtropical, o cultivo deste fruto na região já é feito a algum tempo[5].
A costela-de-adão, como também é conhecida, e cujo nome científico é Monstera deliciosa Liebm é cultivada normalmente em zonas de sombra junto a paredes ou estacas, sendo de uma planta trepadeira que pode atingir os 3 metros de altura.
Na nossa região, este fruto é consumido mais pelos turistas do que propriamente pelos residentes e a sua época de floração é entre Junho e Setembro. Normalmente, o fruto é comido entre 3 a 4 dias, pelo facto de amadurecer aos poucos.[6]
O fruto delicioso é comparado por alguns, com uma banana-ananás, pelo facto de ter algumas semelhanças com esses dois frutos, pois a sua forma comprida assemelha-se à banana e a casca é constituída por pequenos hexágonos que lembram o ananás.

Goiaba

A goiaba (Psidium Pyriferum) é um fruto tropical trazido do Brasil e que se ambientou bem à ilha da Madeira (Ferrão, 1999: 24). O seu cultivo é feito na costa sul da Madeira, nomeadamente, nos concelhos do Funchal, Câmara de Lobos e Ribeira Brava.
O fruto, cuja forma arredondada ou ovalada, com casca lisa e ligeiramente enrugada e a cor que varia entre verde, branco ou amarelo, é comido geralmente entre Outubro e Fevereiro (Ferrão: 25).
Com este fruto pode-se fazer doce, pudins, batidos, sumos, bolos e até licor.

Laranja

Segundo Ferrão, a Laranja é uma fruta originária da Ásia, hoje difundida e cultivada por todas as regiões tropicais. Esta fruta faz parte do grupo dos citrinos, e dentro deste encontram-se o limão, a lima, a cidra, a tangerina e outros. A laranja tem uma forma arredondada, casca fibrosa e polpa suculenta (Ferrão: 406). Na Madeira, a altura predominante de comer laranjas é em Dezembro.
É importante referir, também, que foram os portugueses a introduzir a laranja na Europa, graças aos Descobrimentos.

Manga

O mango (Mangifera) é originário da Índia e o seu cultivo na Madeira deve-se ao seu elevado valor comercial. O mangueiro dá os seus frutos entre Novembro e Maio, sendo frutos volumosos, com cores verdes, amareladas ou alaranjadas que possuem uma polpa suculenta e um grande caroço no seu interior[7].
Na cozinha, usa-se a manga em molhos, conservas ou como acompanhamento de pratos exóticos.

Maracujá

O Maracujá, (Passiflora edulis Sims), é também conhecido como fruto-da-paixão e pertence à família Passifloraceae, sendo originário da América Tropical[8].
Falando um pouco sobre a história do Maracujá foi Monardis quem, em 1569, descreveu a primeira espécie de maracujá, com o nome de Granadilla. «Essa planta, considerada extraordinária pela conformação de suas rubras flores, foi mandada de presente ao Papa Paulo V (1605-1621), que mandou cultivá-la com grande carinho em Roma e divulgar que ela representava uma revelação divina. Devido à beleza e à característica física das suas flores, a planta foi relacionada com a "Paixão de Cristo".»[9]
Esta relação entre o fruto e a «Paixão de Cristo» deve-se ao facto do fruto ser redondo e caracterizar o mundo que Cristo veio redimir e a flor representar a imagem da coroa de espinhos com que Cristo foi crucificado; os três estigmas da flor passaram a ser os três cravos que o prenderam na cruz e as cinco anteras afiguram as cinco chagas de Cristo.
O cultivo deste fruto na Madeira é bastante acentuado devido ao clima subtropical que caracteriza a região e, por esta razão, a sua época de desenvolvimento é entre Abril e Novembro.

Nêspera

A Nêspera (Eriobotyra japónica) foi introduzida na ilha da Madeira em 1846, porém era já cultivada no sudeste da China, sendo os seus frutos notórios nos meses de Fevereiro a Junho.
A sua árvore é de pequeno porte, atingindo, normalmente, os 4 metros de altura, sendo o fruto em si, de cor amarela e forma oval.
A Nespereira é predominante na zona sul da ilha, mais propriamente nos concelhos do Funchal, Câmara de Lobos e Santa Cruz.
Regionalmente, esta fruta é utilizada na confecção de bolos, doces, licores, saladas de fruta e outras sobremesas[10].

Pitanga

A pitanga (Eugenia uniflora) é oriunda da América do sul e foi cultivada na Madeira, durante muitos anos, em quintas e jardins caseiros, pelo facto de não exigir grandes cuidados e ser utilizada para saladas de fruta, geleias, gelados, doces, bolos, licores e sumos.[11]
Os seus troncos, por serem de grande resistência são utilizados para fazer cabos de ferramentas e outros utensílios agrícolas.
Na ilha da Madeira encontram-se pitangueiras na zona do Funchal e arredores, frutificando-se ao longo do ano.

Tabaibos

Os tabaibos, cujo nome científico é Opuntia tuna, são originários da Jamaica, sendo por essa razão também conhecidos por figos-da-índia. Esta fruta é encontrada em locais secos, especialmente nos picos a sul da ilha da Madeira, sendo predominante na altura de verão, nomeadamente, de Maio a Setembro.
Os tabaibos são de cor verde ou amarelada, suculentos e espinhosos. Na Madeira, chamam «saruga» aos espinhos que cobrem esta espécie.

Uveira da Serra

A uveira da serra (Vaccinium padifolium) pertence à família Ericaceae, que é uma espécie endémica da ilha da Madeira, mais propriamente da floresta Laurissilva. Contudo, esta espécie pode ser também observada no Porto da Cruz, na Poço da Neve e na Levada do Barreiro[12].
Segundo Ferrão, o fruto tem a forma de uma baga, e quando madura, apresenta uma coloração preto-azulado. Este fruto pode ser comido e, é normalmente, utilizado no fabrico de compotas. A sua época de floração é entre os meses de Maio e Agosto e o seu fruto aparece nos meses seguintes.

Frutos tradicionais





pêra abacate e mangos




tangerinas
































[1] DRAKONYAZ, (2006). Abacateiro. Consultado a 2007.11.03 em: http://drakonyaz.blogspot.com/2006_04_01_archive.html
[2] Abacateiro (s.d.). Consultado a 2007.11.03 em: http://www.madeiranature.com/index/nm/nature/terrestrial/flora/introduced/agricultural/_/2/5078/l/pt.htm
[3] Anona da Madeira (s.d.). Consultado a 2007.11.03 em: www.idrha.min-agricultura.pt/produtos_tradicionais/
[4] Bananeira (s.d.). Consultado a 2007.11.03 em: http://www.madeiranature.com/index/nm/nature/terrestrial/flora/introduced/agricultural/_/2/5060/l/pt.htm
[5] Fruto Delicioso (s.d.). Consultado a 2007.11.03 em: http://www.madeiranature.com/index/nm/nature/terrestrial/flora/introduced/agricultural/_/2/5075/l/pt.htm
[6] Idem.
[7] Mangueiro (s.d.). Consultado a 2007.11.30 em: http://www.madeiranature.com/index/nm/nature/terrestrial/flora/introduced/agricultural/_/2/5076/l/pt.htm
[8] Maracujá Roxo (s.d.). Consultado a 2007.11.26 em: http://www.madeiranature.com/index/nm/nature/terrestrial/flora/introduced/agricultural/_/2/5077/l/pt.htm
[9] História do Maracujá (s.d.). Consultado a 2007.11.26 em: http://www.maracuja.com.br/historia.htm
[10] DRAKONYAZ, (2006). Nêspera. Consultado a 2007.11.03 em: http://drakonyaz.blogspot.com/2006_03_01_archive.html
[11] DRAKONYAZ, (2006). Pitanga. Consultado a 2007.11. 03 em: http://drakonyaz.blogspot.com/2006_01_01_archive.html
[12] Uveira da Serra (s.d.). Consultado a 2007.11.26 em: http://www.madeiranature.com/index/nm/nature/terrestrial/flora/endemicindigenous/laurissilva/_/2/5208/l/pt.html

Os cereais, o pão, as sopas, o frangolho, o cuscuz e as papas

A Madeira tem uma tradição cerealífera, comprovada pela existência de vários fornos e padarias familiares (Cardoso, 1994:14). Os cereais provenientes da Europa, encontravam-se na base alimentar madeirense, são exemplo, o trigo, o milho e a cevada e o centeio (Cardoso, 1994: 13)[1] e [2].
O trigo foi aproveitado de várias maneiras, para fazer pão, sopas, frangolho, cuscuz e papas (Cardoso:14). O pão de casa e o bolo do caco (Tabela 5) eram confeccionados com a farinha trazida do moinho. O bolo do caco, pão típico, tem forma redonda e achatada, e é confeccionado à base de farinha de trigo. Deve o nome ao facto de ser cozido sobre um "caco" de telha, que se coloca sobre as brasas. Este tipo de pão encontra-se com muita facilidade em festas e é servido à refeição[3]. A sopa de trigo, trigo pisado com o pisão e depois cozido com semilha, feijão e abóbora, e o frangolho, papa feita com farinha, eram pratos usuais que, aos poucos, foram se ausentando do uso diário (Mata, 1989). O cuscuz, granulado obtido da farinha de trigo, foi alimento de ricos e pobres. O cuscuz rico era elaborado nas casas senhoriais, durante o Verão, para secar e ser utilizado no Natal e ao longo do ano. O cuscuz menos temperado era muito usado sobretudo nas freguesias rurais (Cardoso:14). Confeccionavam "papas de farinha com açúcar por cima, para o almoço" e quando não havia cevada para café "torrava-se trigo e moía-se com uma garrafa para remediar" (Ornelas cit. por Mata, 1989). O “biscoito seco” do porto Santo era elaborado com farinha de trigo torrada, mantendo-se até a actualidade (Cardoso:14).

"Era pão para a semana inteira. Quando ficava duro fazia-se açorda, água de alhos ou água de semilhas. " (Ornelas cit. por Mata, 1989). A água de alhos, bem temperada com banha de porco, surgia quase diariamente na mesa dos camponeses, substituindo muitas vezes o café. Servia para comer com batatas, com bolo do caco, com pão já meio duro, ou para fazer sopas de milho frio (Mata, 1989).
Dos vários tipos de pão na Madeira salienta-se o bolo do caco, pão de centeio, pão de milho (Camacho, 1997; Cardoso, 1994; Figueira, 1993), pão de casa (Camacho, 1997; Figueira, 1993) pão de milho doce, pão de passas e nozes, pães de minuto (Figueira, 1993) capelas de São João, pão doce ou bolos de noiva e pão vilão ou pimenta (Cardoso, 1994).
Como fazer o pão de casa:
vimes para atear o lume e o fogareiro
socar a massa e a junção da batata doce

tender a massa e envolver em farinha

Descansar a massa e colocação do pão no forno
Pão a cozer e depois o Pão cozido
Pão pronto, coberto com toalhas

As sopas e os caldos aparecem a partir do século XVII. Inicialmente, as sopas, constituídas por legumes, eram praticamente sólidas. As sopas mais antigas eram de frangolho, trigo totalmente aproveitado e pisado manualmente, sopa de trigo com mão de vaca, sopa de “panela”, de couves, de moganga, de saramago, de feijão, de agrião, de lentilha de ervilha seca, de tomate, etc. A cevada torrada era utilizada para fazer a sopa de gofe (Monte e Camacha) (Cardoso, 1994:14).

As famílias utilizavam a panela de ferro para cozer os alimentos (Figura 3). A sopa de abóbora era deitada num alguidar, construído com pau de vinhático, e dele serviam-se pais e filhos através de colheres de madeira (Santos, 2005: 28).
Panela antiga

Actualmente, as sopas adquiriram características de caldos e cremes. (Cardoso: 14). Ao longo do tempo, as sopas de ervas verdes, foram progressivamente enriquecidas com raízes, leguminosas, cereais e por carnes, peixes e aves, temperados com vinho (Cardoso:14).
A autêntica canja de galinha, de invenção caseira, com tradição revigorante, passa depois a ser enriquecida, quando condimentada com canela e perfumada com vinho Madeira. A canja era servida em chávenas, com miudezas picadas e ovos cozidos, destinados a crianças e doentes. É frequente no Natal, nos festejos de “Cama dos Noivos” ou despedidas de solteiros (Cardoso:14).
As sopas de leite, constituídas por pão embebido no leite, são destinadas a crianças e idosos e têm valor fortificante (Cardoso:14).Das várias sopas madeirenses refere-se a sopa de milho escaldado, caldo de semilhas com milho, sopa de lentilhas (Pereira, 2007), sopa de trigo (Camacho 1997; Figueira, 1993; Pereira, 2007) caldo de romaria, sopa de castanhas (Cardoso 1994; Pereira, 2007) açorda madeirense, sopa de tomate e cebola (Camacho 1997; Cardoso 1994; Figueira, 1993; Pereira, 2007), sopa de abóbora e feijão, sopa de maçaroca e feijão, sopa de abóbora com debulho (Pereira, 2007), canja de galinha, sopas de leite, sopa de couve com feijão, sopa de gofe, sopa de peixe, caldo de atum (Cardoso, 1994) sopa de trigo pisado, sopa de moganga (Cardoso 1994; Figueira, 1993), caldo de carne (Camacho, 1997; Cardoso 1994).






[1] Vieira, Alberto (s.d.). Madeira da Terra às tradições gastronómicas. Consultado a 2007.12.6 em: http://alb.alberto.googlepages.com/gastronomia-1.pdf
[2] Vieira, Alberto (s.d.). A mesa e a cozinha na História madeirense. Consultado a 2007.12.6 em: http://alb.alberto.googlepages.com/grastronomia-2.pdf
[3] Produtos Regionais – Bolo do caco (s.d.). Consultado a 2007.11.25 em:
http://www.lifecooler.com/edicoes/lifecooler/desenvReg.asp?reg=394832&catbn=10

Bebidas Tradicionais da Gastronomia Madeirense

Após o descobrimento da região e com a sua colonização, uma das primeiras culturas implantadas na ilha, foi a vinha. A zona onde havia abundantes vinhedos era em Câmara de Lobos e no Estreito. A cultura da vinha dá-se nas encostas soalheiras, nos socalcos (poios) do lado sul da ilha, nomeadamente nas zonas de Campanário e Ponta do Pargo (Dantas e Carreira, 1982: 16).
Foi devido ao nosso clima, adequado a este cultivo e aos nossos solos, que o vinho adquiriria uma boa qualidade, que foi causa da sua fama por todo o mundo. O vinho Madeira ganha reputação internacional no século XVIII e primeiro quartel do século XIX, chegando a ser “o vinho mais caro e apreciado do mundo”.
Segundo o Elucidário Madeirense (1984: 156), ditado por Santos «os “vinhos mais preciosos” exportavam-se, nos anos vinte, “principalmente para a Suécia, Dinamarca e Noruega”, onde se fazia “um largo consumo deles”. É assim muito provável que negociantes de vinho provenientes desses países andassem pela ilha interessados em comprar o produto das vindimas.»
Os Vinhos Portugueses podem-se dividir em três grandes grupos: os vinhos de consumo, os vinhos especiais e as aguardentes. Dentro dos vinhos especiais temos os licores ou generosos, os espumantes naturais e os aromatizantes (Dantas e Carreira: 11).
O Vinho Madeira é um vinho generoso, e por consequência um vinho especial. Este varia algumas das suas características conforme as castas de onde advém. As principais castas que o Madeira procede são: Sercial e Malvasia. Entre estes extremos, sendo o primeiro, um vinho seco, leve, de cor clara e perfume suave, e o segundo muito doce, espesso, cor escura e perfume forte, temos dois tipos intermédios: o Verdelho, mais próximo do Sercial e o Boal, que se aproxima do Malvasia, sendo o primeiro meio seco, forte e aromático e o segundo meio doce e macio (Danta e Carreira: 16; Figueira, 1993: 16).
O Madeira que provém da casta Sercial e Verdelho e é usado como aperitivo, sendo o Boal usado para cocktails e o Malvasia para acompanhar sobremesas e doces (Figueira, 1993: 16).
Esta última casta teve origem em Napoli Di Malvazia, tendo um sucesso pouco duradouro na Idade Média, permanecendo, no entanto, na Ilha de Creta. Esta foi a primeira casta a ser introduzida na nossa ilha por ordem do Infante D. Henrique, tendo sido importada da ilha grega Cândia ou da Ilha Creta, no século XV[1].
A sua primeira exportação para a Europa decorreu no ano de 1515, para a Corte de Francisco I, na França.
O vinho da Madeira, outrora foi chamado vinho da roda ou vinho da volta[2]. Este nome advém das características que este adquiriu nas suas viagens. Os produtores que embarcavam para a Índia e para as Antilhas, levavam consigo cascos cheios de vinho. Devido ao balanço do navio e do calor das zonas tropicais que passavam, na viagem de ida e volta, o vinho tornava-se mais forte e sumarento.
O vinho da Madeira não era utilizado pelos madeirenses comuns porque era exportado. Daí encontrar-se apenas nas mesas de alta burguesia funchalense (Alberto Vieira, 2001; cit. por Santos, 2005: 121).
O vinho surdo, jacquez e aguapé eram bebidas dos produtos do pequeno proprietário agrícola, de onde provém a base de alimentação dos madeirenses (Santos, 2005:120). O aguapé, por sua vez, era considerado bebida dos pobres.
O vinho surdo é «a fleuma da aguardente mal disfarçada pelo açúcar, feito do mosto que os camponeses guardam em cada colheita para as sua romarias e usos caseiros» (João dos Reis Gomes, 1907; cit. por Santos: 120).
Desde o século XIX as bebidas comuns dos madeirenses eram o vinho americano e o jacquez. A uva americana é frequente no Porto da Cruz e produz um vinho leve, bebido geralmente fora das refeições. No resto de ilha, com a uva jacquez faz-se um vinho forte e escuro. Este é originário das vinhas situadas nas encostas a norte e é produzido, somente, para consumo interno (Figueira, 1993: 16). O vinho jacquez era, e continua a ser, muito apreciado na nossa região e, é normalmente, servido como acompanhante de carnes e peixes (Santos: 66). Estes vinhos são conhecidos como “secos” por derivarem de produtos directos. Esses vinhos secos são depois substituídos pelo vinho de mesa. (Santos: 120-121).
Este vinho jacquez e a aguardente de cana são bebidas de produção local que eram frequentes em casas particulares e nas vendas madeirenses (Santos: 117).
A aguardente era uma bebida das camadas mais baixas, devido ao seu preço mais acessível. Esta bebida tem como sinónimos, “Grogue” e “Mata-bicho”, sendo o segundo sinónimo devido às funções de desjejum, de estimulante, de remédio para enganar a fome e para aquecer (Santos: 118)
É de salientar, também, o extraordinário terrantês, que é já hoje uma raridade na ilha.
O fabrico/produção do vinho é feito a partir do processo chamado bica aberta, sendo o esmagamento das uvas feito com os pés.
No envelhecimento do vinho é utilizado geralmente o processo de estufagem, que se baseia em deixar o vinho em estufas ao sol ou ao calor produzido pela circulação de água quente, durante meses, a temperaturas que chegam quase aos 50º C.
Existe outro processo de envelhecimento, chamado “vinhos de canteiro”, mas que já não é tão utilizado, apesar de dar características únicas e especiais ao vinho.
Entre a população havia a crença, que as crianças que eram fracas, se fossem mergulhadas durante alguns minutos no sumo da uva ainda não fermentado (o mosto), ficariam com os ossos mais fortes.
Para além dos vários tipos de vinho e da aguardente de cana temos outras bebidas regionais tais como: a Poncha, a Nikita, a Coral, a Sidra, a Sangria, Pé de Cabra e ainda um conjunto de licores, dentro deles: o Tintamtum, Licor de Tangerina, Licor de Amêndoa, Licor de Pitanga, Licor de Aniz, Licor de Maracujá, Licor de Ginja[3] e para além destas bebidas alcoólicas, encontra-se ainda o Concentrado de Maracujá, a Brisa Maracujá e a Laranjada (Tabela 4).
Falando um pouco sobre a Nikita, esta é uma bebida com origem em Câmara de Lobos, podendo ser tomada com álcool ou sem álcool. O Pé de Cabra é uma mistura de vinho seco com cerveja preta, açúcar, casca de limão e chocolate em pó. Esta bebida popular madeirense era servida nas tradicionais “casas de pastos”.
A Sidra, por sua vez, é preparada a partir do sumo de pêro “vime” ou “usado”, que é esmagado com pisões de madeira. A sua fermentação efectua-se em cascos de madeira, sendo uma bebida característica das freguesias da Camacha, Santo da Serra e Ponta do Pargo e pode ser consumida com ou sem açúcar e bem fresca.
A Poncha originária da Índia chamava-se Panche, e era constituída por cinco ingredientes: aguardente de arroz ou noz de coco, o açúcar, chá de ervas doces, água e especiarias.







Esta foi uma bebida trazida pelos ingleses na altura da colonização e adaptada pelos madeirenses, tornando-se popular, por ser vista como um bom remédio para as dores de garganta e sintomas adjacentes, sendo preparada na presença do “freguês”. Outrora, na região, esta bebida era preparada e consumida pelas populações rurais, contudo, actualmente, a poncha está divulgada e é apreciada também a nível turístico (Abreu, 1984: 344). A bebida que os pescadores utilizavam para acompanhar os pratos de peixe, era na maioria das vezes a poncha. Esta era bebida de caminheiros e romeiros (Santos, 2005: 122-123).
O Tintamtum é um aperitivo com tradição na Madeira, sendo guardado de um ano para o outro num garrafão de 5L, para assim, ser conservado e ter um gosto muito melhor (Tabela 4) (Abreu, 1984: 345).
Santos (2005: 67) refere, na sua obra, licores caseiros como os licores de tangerina e amêndoa, «cuja composição é segredo bem guardado, são velha tradição ainda muito presente nas quadras festivas em vários lugares da ilha (…).»
A Brisa Maracujá, a Laranjada e a Coral, produzidas pela Empresa de Cervejas da Madeira (E.C.M), já fazem parte da história da Madeira há mais de um século (134 anos). Estas foram distinguidas pelo Instituto Internacional para a Selecção da Qualidade das Bebidas, Monde Selection[1] (Tabela 4).
Por último, é essencial referir, a importância que o chá tem para os madeirenses que chamavam chá de fora ao chá preto, que por ser importado, era considerada uma bebida fina e rara (Santos, 2005: 65).

[1] Gastronomia madeirense marca presença no Festival de Santarém, (2006), Consultado a 2007.11.18 em: http://www.marinadas.net/garfoseletras/noticias/Outubro/29_02.html
[1] Gastronomia, (2005), Consultado a 2007.11.18 em: http://madeiraaovivo.no.sapo.pt/gastro.html
[2] Madeira, (s. d.). Consultado a 2007.11.18 em: http://www.lusawines.com/vinhoRegiaoAction.asp?regiao=29
[3] FONSECA, Ana Mafalda Amador Garcia da, (2006), Oferta Turística e Relação Turismo – Ambiente na Região Autónoma da Madeira. Consultado a 2007.11.18 em: http://www.uma.pt/Unidades/DGE/index_ficheiros/docsMestrado/Teses/Ana_Mafalda.doc#_Toc135489613

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Carnes e peixes da gastronomia madeirense

A ilha da Madeira foi sendo conhecida pela sua gastronomia rica e variada que inclui, para além de outros factores importantes, a presença da carne e do peixe, sendo este último, fresco ou salgado.

Carnes

A ementa de carnes era variada, sendo servida de galinha, vaca, peru, frangos, leitões, coelhos, cabritos, não faltando a carne de porco e os presuntos, sendo estes então, animais provenientes da criação doméstica. No âmbito deste trabalho apenas alguns são destacados, nomeadamente a carne de galinha, carne de vaca e carne de porco (Cardoso, 1994: 86).

Carne de galinha

Começando pela carne de galinha, esta assume um lugar de destaque em dias festivos, isto é, no Advento, Quaresma, Natal, Páscoa e dia de Santa Clara, servido com pão, por norma demolhado1.
No Convento da Encarnação, a mesa dos séculos XVII e XVIII era farta. Diariamente as freiras reuniam-se para duas refeições: o jantar e a ceia, onde a carne era muito abundante, pois a falta de peixe no mercado local não o facilitava[1].
Antigamente, a carne de galinha servia também para os caldos e as habituais canjas. Por vezes, passava o capoeiro nas casas apregoando: "Há galinhas que venda? O capoeiro discutia o preço das galinhas e depois recolhia-as, pendurando-as pelos pés no cajado, para ir a pé vendê-las à cidade. "Era conforme, uma galinha podia ser oito ou dez patacas..." (Ornelas cit. por Mata, 1989). Eram quase todas para vender mas quem estivesse doente tinha direito a um caldinho de galinha. Tratava-se de um petisco somente para dias especiais, como a primeira oitava da “Festa”, quando todos os familiares eram convidados para ver a “lapinha” (Mata, 1989).
Hoje, ainda existem pessoas que mantêm a tradição de criar galinhas em casa e têm galinheiros tradicionais (Figura 1) (Mata, 1989).


É de salientar o facto de ser comum o uso do termo “frango” para caracterizar a galinha (ou galo juvenil), e este pode ser servido simples, frito, grelhado e até como espetada de frango.






Figurara 1- Galinheiro no sítio do Vale Paraíso - Camacha

Carne de vaca

Os amantes de carne encontram na ilha uma grande variedade de pratos de carne de vaca (vitela ou boi), dos quais se destacam a tradicional espetada, feita em pau de louro, onde a carne é cortada em pequenos pedaços (pequenos cubos), temperada com sal, louro e alho, e grelhada sob o carvão bem quente. Esta está sempre presente nas festas tradicionais e arraiais madeirenses[1]. No entanto, inicialmente, a espetada era popular entre os romeiros e excursionistas, e só estes consumiam a deliciosa espetada, sendo apenas mais tarde, consumida por toda a população (Cardoso: 86).
Felizmente, o nível de vida subiu no final dos anos sessenta, tanto que hoje em dia «não há família em qualquer aldeia da ilha que, uma vez por semana, não compre carne de vaca para a refeição do dia santo ou do domingo» (Veríssimo, 2001; cit. por Santos: 132).
Na cultura do turismo em que se tornou a Madeira, a partir da segunda metade do século XX, a tradicional espetada é prato indispensável da gastronomia madeirense e especialidade emblemática, digna a cartaz turístico, dos restaurantes típicos da ilha (Santos: 132).
Ainda que a espetada seja um prato regional, a sua comercialização fora das festividades religiosas, ou seja nos restaurantes, nasceu na freguesia do Estreito. Com efeito, na década de cinquenta, Francisco da Silva Freitas, proprietário de um pequeno bar, mais tarde transformado no restaurante "As Vides", quebrou essa tradição secular ao introduzir, no seu bar a espetada como especialidade gastronómica, acabando outros restaurantes por o imitar e rapidamente se estender a toda a ilha. Por tal facto, apesar de grandemente divulgada por toda a Madeira, o Estreito de Câmara de Lobos é considerado o berço da espetada da carne de vaca e continua a ser o local escolhido por quem quer apreciar esta especialidade gastronómica. É por isso que muitos populares dizem (especialmente dessa zona), que ir ao Estreito ou à Madeira e não comer uma espetada, é como ir a Roma e não ver o Papa[2].
Deste modo, é bastante comum encontrarem-se, actualmente, restaurantes dotados de mesas com estruturas em ferro, colocadas no centro, onde se penduram os espetos, depois de bem temperados e grelhados os bocados de carne. Os bocados de carne são, normalmente, mal passados e ainda com sangue a cair, pois «é mais saboroso e sabe melhor!», afirmam muitos populares[3].
Da carne de vaca, também era usual, num receituário refinado, preparar a língua afiambrada, as miudezas, fígado, bofe e a mão de vaca como geleia. A geleia de mão de vaca era usada como fortificante, com sabor doce ou salgado (Cardoso: 86)











Espetada regional


Carne de porco

Dentro dos pratos mais conhecidos, merece especial importância, a famosa carne de vinho e alhos ou vinha-d’alhos, no domínio das carnes da gastronomia madeirense.
Este prato típico da época natalícia, surgiu como substituição da continental posta de bacalhau, em que carne de porco cortada aos cubos vai a marinar em vinho e alho, surgindo daí, o seu nome.
Este prato, é então, confeccionado especialmente na época de Natal, sendo normalmente a oito de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, ou ainda, no dia dezoito de Dezembro, (dia de Nossa Senhora do Ó ou do Parto), que se dava e ainda se dá, a matança do porco, resultando daí um convívio, entre familiares, vizinhos e amigos[1].
Deste modo, depois de desfeito, conservava-se «na salgadeira do vinhático para se obter carne de porco em salmoira» (Veríssimo, 2001; cit. por Santos: 68). Era também costume, «confeccionar linguiças em casa de famílias gradas da ilha que, segundo consta, as preparavam em fogão e lenha» (Santos: 69).
Salmoira:


Desde muito cedo que as partes do porco são tradicionalmente aproveitadas, tais como, a sua carne, sangue e miudezas e fazem-se ainda pratos típicos desta época e “dentinhos”, petiscos normalmente confeccionados com as patas e as orelhas de porco, assim como outros pedaços da carne salgada (Ferreira, 1999; cit. por Santos: 69).
Outros pratos são preparados a partir das partes do porco, e são estes, o sangue guisado, o famoso sarapatel, nomeadamente feito com sangue, banha e fígado cozido de porco, que segundo Santos, está cada vez mais em desuso (Tabela 1). A espetada de coração e o fígado, o bofe, a fressura, os bifes de fígado, a linguiça e o debulho, ou seja, os intestinos, que é escaldado para ser comido em sopas de agrião ou moganga, também são muito utilizados (Ferreira, 1956; cit. por Santos: 69).
O dia da matança do porco, esperado com ansiedade por todos, começa de madrugada, durante a qual um grupo de quatro a cinco homens, alguns deles usando o típico barrete de orelhas (barrete rústico de lã) se dirigem para o chiqueiro, atam uma corda à volta do pescoço do porco e, de seguida, encaminham-no para fora onde, depois de segurá-lo firmemente contra o chão, o matador acerta-o com um golpe certeiro de faca. O sangue que brota do pescoço é, então, rapidamente recolhido pelas mulheres que, com um alguidar, ou bacia na mão, é aproveitado para confeccionar o sarapatel, como já foi referido, após o que se esquarteja o corpo do animal. No dia seguinte, preparam-se as febras, provenientes do lombo, que servirão para preparar a tradicional carne de vindo e alhos, servida no dia de Natal. É de salientar o facto que, das costelas são retiradas as costeletas, muito saborosas, «e com os pernis do porco prepara-se a “carne assada no forno”», para o conhecido cozido à madeirense5 (Nascimento, 1949; cit. por Santos: 69).
O que não é consumido na época é conservado na salgadeira e consumido ao longo do ano. A cabeça também é utilizada, bem salgadinha, para ser cozida posteriormente, «com olhos de couve e semilha nova» (Ferreira, 1999; cit. por Santos: 69).
Para as pessoas mais estimadas da paróquia, amigos e compadres da família, são reservadas outras partes da carne do porco, sendo estas, as bichanas ou bichaninhas. O dia da matança do porco, esperado durante todo o ano é, desde tempos imemoráveis, o dia da festa por excelência, um dia com muito vinho e comida, danças, cantares e despiques5.
Há que fazer referência, e apesar de não estarem integradas nas classes anteriores, a carne de carneiro, que era comum na mesa conventual e senhorial, o coelho bravo, usado em vinho e alhos e também em guisados, bem como o cabrito que se destaca na Páscoa, sendo popular entre as famílias mais numerosas (Cardoso: 13, 86).

Peixes

A ilha da Madeira é privilegiada pelo mar que a rodeia e, consequentemente, pela sua riqueza piscícola. A condição da ilha fez com que o peixe fosse, desde sempre, um alimento de extrema importância para os madeirenses, sendo consumido cozido, frito, salgado ou seco[1]. Deste modo, o peixe foi, tradicionalmente, a base da alimentação das freguesias litorais da Madeira e do Porto Santo, estendendo-se depois por toda a ilha (Cardoso: 75).
Destacando o consumo de peixes na ilha, as classes menos favorecidas proviam-se exclusivamente de “peixes baratos”, tais como: «o gaiado e a gata, parentes pobres do bacalhau», bem como a «cavala, o chicharro e o atum» sendo estes mais comuns no litoral sul (Santos: 131). A “gata”, segundo Abel Marques Caldeira, é uma espécie de peixe que substitui o bacalhau, de maior consumo na freguesia de Câmara de Lobos, daí sendo denominado também desta forma (Santos: 131). Acerca deste último, afirma-se que em inícios do século XX, dificilmente se provaria à mesa das famílias do Norte a “gata”, pois não havia menção desta espécie na faina dos pescadores de Ponta Delgada (Santos: 131).
É de salientar que, no século XX, as salemas, outra espécie existente, eram frequentes nas mesas dos habitantes do litoral Norte. Na cidade, o atum e o peixe-espada preto eram bastante utilizados em restaurantes populares (Santos: 131).
O peixe-espada, que se vendia nos anos trinta, na Praça de peixe no Funchal, era «mais barato, mais abundante e de fácil transporte». Era, deste modo, o peixe azul que predominava na dieta dos insulares anónimos (Santos: 131). Actualmente, o peixe-espada preto representa o recurso de maior importância explorado no Arquipélago da Madeira, onde as principais zonas de pesca se localizam na costa sul da ilha. Por conseguinte, o peixe-espada é muito apreciado pela sua textura e, geralmente usado na cozinha madeirense em filetes de espada ou espada em escabeche[2].
O cherne, o pargo, o bodião e a garoupa são os peixes mais cobiçados pela gente mais abastada e mais rica. O bacalhau, por sua vez, conhecido como prato de pobres, foi sendo habitual na dieta dos portugueses como petisco que dava alento aos trabalhadores nas lides do campo, antes de se tornar no prato que é hoje explorado e conceituado nos melhores restaurantes, pois é outro dos peixes que mais variedades de preparação tem (Santos: 131).



Ao peixe, principalmente nas freguesias do litoral, estão associados a secagem, a salga do peixe, a utilização da conservação do peixe com o vinagre (escabeche), e actualmente, os processos de conservação normais (Cardoso: 75).
Em meados da década de sessenta surgiram também a castanheta, o peixe-verde, a truta, o carneiro e o sargo (Gouveia, 2005; cit. por Santos: 59).
Na Ponta Delgada, era também usual a pesca da dourada, do salmonete, e do goraz, onde o porto formigava de gente que comprava os deliciosos peixes, também denominados de peixe fino, pois antigamente só as famílias mais ricas consumiam este peixe. No entanto, neste local já não se avistava a sardinha e só se avistava gaiado «porque aconteceu ao atum o que aconteceu com a sardinha» (Santos: 131).
É de evidenciar o facto de ser, tradicionalmente, na Quaresma, a época em que o peixe é um dos produtos alimentares mais procurados pelo povo, visto ser nesta época que a população se abstêm de carnes (Santos: 63).
Com o passar do tempo, outros peixes foram surgindo, nomeadamente a abrôtea, o arenque, a bica, a bicuda, o besugo, o badejo, o alfosim da costa, o enchareu, espadarte ou peixe-agulha, o cravo, o peixe-porco, a moreia, a tainha, entre outros (Cardoso: 75). Estes, embora se apanhe, não são tão requisitados pelo povo madeirense, como os já referidos no texto.
As delícias do nosso mar também são de realçar, pois o marisco é característica fundamental nas zonas piscatórias, que em medida, se estende por toda a ilha, até mesmo pelos restaurantes. Antigamente, nos calhaus de pedras musguentas, as mulheres andavam às lapas, e os homens de fisgas tridentes espreitavam os polvos nos buracos, onde as holotúrias pareciam hibernar. Muita gente andava ao marisco, e outros apanhavam polvos e moreias (Gouveia, 2005; cit. por Santos: 63).
Para além destes, existem outros: os caramujos que não são muito apetitosos à vista, mas deliciosos, as lulas (da família do polvo), o camarão, os caranguejos e até há quem seja adepto dos búzios, apesar de menos usual, cá na região.







[1] Comida (s.d). Consultado a 2007.11.15 em: http://www.madeira-web.com/PagesP/food-p.html
[2] Madeira (s.d.). Consultado a 2007.11.15 em: http://ipimar-iniap.ipimar.pt/aphacarbo/obestudo.htm
[1] O Natal na Madeira (s.d.). Consultado a 2007.11.12 em: http://www.ama-lingua.com/fim_ano.htm
[1] Comida (s.d). Consultado a 2007.11.12 em: http://www.madeira-web.com/PagesP/food-p.html
[2] Freguesia do Estreito de Câmara de Lobos (s.d). Consultado a 2007.11.12 em: http://www.geocities.com/TheTropics/Paradise/4273/dicionario/freguesia_estreito_camara_lobos.html
[3] Comida (s.d). Consultado a 2007.11.12 em: http://www.madeira-web.com/PagesP/food-p.html
[1] VIEIRA, Alberto (s.d.). Cozinha Madeirense. Consultado a 2007.10.28 em: www.cozinhamadeirense.com

Calendário Gastronómico

As tradições alimentares variam segundo as festividades religiosas, familiares e ciclos da natureza. No Carnaval ou Entrudo é tradição fazer os sonhos e as malassadas, com mel de cana ou cana-de-açúcar. Nos casamentos são usados alimentos mais requintados, como os bolos de noiva distribuídos durante o percurso da cerimónia. Estes bolos de erva-doce estão a reaparecer, sendo mais habituais em Santana e no Norte da ilha. Nas fainas agrícolas, a tradição consta de semilhas e batatas com peixe em molho vilão e no “Comer”, prato que consiste na cozedura das semilhas, maçarocas, inhame e pepinelas numa panela de ferro. Acompanhado com caldeira, normalmente de atum. No Natal é presença habitual a carne de vinho e alhos, a carne de porco de várias formas e a canja de galinha, frequentemente utilizados na noite da Consoada. O cacau é também uma bebida comum desta época. Quanto a doçarias surgem o bolo de família, o pão-de-ló e o bolo de mel. No Pão-Por-Deus comem-se sopas e frutas do Outono, como castanhas, maçãs e pêros. Nos Santos Populares alimentam-se usualmente de atum salpresado com semilhas, batata-doce e outros legumes (Cardoso, 1994: 139).

Alimentação na Madeira

A cozinha madeirense teve a sua origem no tempo da colonização da ilha (Cardoso, 1994: 12).
Os primeiros povoadores começaram, desde logo, a semear e a criar o gado, visto que, o clima era ameno e o solo produtivo, trazendo consigo os seus hábitos alimentares e costumes. Começaram por semear os cereais, depois o açúcar, seguindo-se o vinho (Cardoso: 12).
Os processos de cozinhar eram rudimentares, os comeres eram simples, elaborados com alimentos básicos, que o povo produzia. A gastronomia insular era resultado do nível de pobreza em que se encontrava a população. Contudo, ao povo, valia-lhe os dias de festa para modificar dieta tão pobre (Santos, 2005: 130). Com o avançar do tempo, os hábitos alimentares alteraram-se e a partir da metade do século XV, a cozinha madeirense foi enriquecida, com especiarias, tais como, pimentas, cominhos, noz-moscada, cravo, entre outras, trazidas do Oriente e que se difundiram entre os povos europeus (Cardoso: 12).
Os povos do litoral alimentavam-se, tradicionalmente, de peixe. Este acompanhava os produtos da terra. Era transportado por pessoas do povo, para as diversas freguesias do interior dentro de selhas, colocadas à cabeça pelos negociantes de peixe, para depois ser trocado por produtos hortícolas, batatas e semilhas (Cardoso: 13).
A carne de vaca era consumida ao domingo e em dias festivos. As carnes de criação doméstica eram as mais utilizadas. A espetada tradicional em pau de louro, hoje prato típico, era comer habitual dos romeiros. A carne de carneiro era comum na mesa conventual e senhorial (Cardoso: 13).
A doçaria popular ou de tabuleiro baseia-se nos doces de pirolitos, beijinhos, paciências, sessões, suspiros, bonecas de massa (não comestíveis) e rebuçados de funcho (Cardoso: 13).
A abundância de cereais como o trigo, o centeio, o milho e a cevada contribuiu para o elevado consumo de pão e para a produção de doces (Cardoso: 13).
É também importante referir a cozinha regional no século XVIII. No convento da Encarnação, a cozinha apresenta a singularidade e a abundância características da culinária conventual. O abastecimento do refeitório do convento era feito por carreteiros de leite e de azeite, de bacalhau e arenque, fretes de trigo e cevada e peixeiros (Veríssimo, 1987: 39).
À mesa era frequente a carne de vaca, fresca ou salgada. Também era utilizada a carne de galináceos e de carneiro, toucinho presunto e chouriços. O prato tradicional, no entrudo do Advento e Quaresma, dia de Natal e Domingo de Páscoa era a galinha. No dia de Jesus ou nos Reis era o picado de carneiro com cuscuz (Veríssimo: 39).
Na altura em que o calendário católico determinava abstinência alimentar, no convento cozinhavam o peixe. Existiam muitas variedades de peixe fresco, provenientes essencialmente de Câmara de Lobos, como as castanhetas, bicudas, sargos, lírios, cherne, peixe-agulha, atum e sardinhas. Era também comprado peixe seco, salgado e fumado como bacalhau, atum, arenques, salmão, sardinhas de fumo ou para fumar, cavalas e cavalinhas (Veríssimo: 39).
Quanto aos cereais, consumiam muito trigo, que era convertido em farinha para fazer pão, bolos, empadas, pastéis, outros doces e cuscuz. Usavam cevada, que era aproveitada para fazer pão, gófio (farinha de cevada torrada) e usada como alimento das mulas bem como o centeio. Utilizavam pouco milho e arroz. O pão acompanhava a carne e o peixe. As fatias demolhadas aparecem na maioria dos pratos desta época. Com o gófio e o leite de cabra ou de vaca confeccionavam as papas (Veríssimo: 40-41).
No convento alimentavam-se de grandes quantidades de legumes, como ervilhas, lentilhas, favas e feijão e de verduras, como abóboras, agriões, nabos e outras. Relativamente a temperos usavam azeite, vinagre, cravo e canela, cominhos, pimenta, açafrão e gengibre. Estes apuravam os estufados, assados, ensopados, guisados, empadas, pastéis, conservas, recheios, sopas, caldos, bolos e muitos outros manjares (Veríssimo: 42).
É possível delinear um calendário alimentar em função do calendário religioso, onde as diferentes épocas são distinguidas principalmente pela doçaria e pela alternância entre pratos de carne e peixe. Seguem-se alguns exemplos: No Natal confeccionavam bolos de mel, biscoitos, argolas e argolinhas. No entrudo da Quaresma, faziam malassadas, sonhos e meladas. No Domingo de Páscoa preparavam bolos. No Espírito Santo cozinhavam bolos de cevada ou de trigo novo e no Pão-por-Deus confeccionavam bolos e rosquilhas (Veríssimo: 42-43).
Na Santa Casa da Misericórdia consumiam mais carne do que peixe. Era mais utilizada a carne de vaca, carneiro e galinha e menos a carne de porco. Utilizavam também, leite, manteiga, ovos, leguminosas, marmelos, pêssegos, gingas, pêros e pêras para doce, verduras e peixe fresco, fumado e salgado (Veríssimo: 44).
Não se conhece muito sobre o regime alimentar na casa da Misericórdia. Sabemos que a alimentação não era muito condimentada, embora apareçam especiarias como cominhos e açafrão e que aos doentes era dado caldo temperado com cabeça de carneiro e engrossado com farinha de trigo. Consumiam muitos doces de pêro, ginga, pessegada e marmelada, pois eram-lhes associadas propriedades curativas (Veríssimo: 44-45).
O calendário alimentar, difícil de delimitar, é distinguido por três épocas: o Natal com confecção de bolos de mel, argolinhas e carne de porco, o Entrudo com carneiro e malassadas e o dia de Santa Isabel com carneiro e rosquilhas (Veríssimo: 45).
Segundo Veríssimo, parece que a mesa no convento da Encarnação era bem mais farta do que a da Misericórdia.
A mesa do governador, no Palácio de São Lourenço, era variada, com muita qualidade, requinte e em poucas partes do mundo se poderiam ver mesas semelhantes. Entre muitas coisas, comiam lebre, porco e faisões (Barrow, 1905; cit. por Veríssimo: 45). À mesa eram decididos negócios e políticas (Veríssimo: 46).
O povo era pobre e com poucos meios de subsistência, viviam com péssimas condições de vida provocadas pelo predomínio de uma cultura rica – o vinho –, pelo sistema tributário, pelos privilégios da nobreza e do clero e pelos concedidos aos mercadores estrangeiros e pela estratificação da sociedade e abandono conferido às populações humilde (Veríssimo: 46). A alimentação dos camponeses era modesta, consistia em pão, cebolas, vários tubérculos, pouca carne, inhame, batata-doce, castanhas, trigo e cevada. As colheitas produziam pouco e importavam milho e outros em troca de vinho (Cook 1986; cit. por Veríssimo: 47).
Da rica alimentação do Convento da Encarnação à dieta pobre do povo, dos banquetes de S. Lourenço à sóbria cozinha da Misericórdia encontram-se práticas culinárias diversas associadas a estruturas sociais diferentes.

Introdução

No âmbito da disciplina de Estudo do Meio I, sob orientação do Dr. Paulo Brazão, foi sugerido a elaboração de um trabalho, denominado Gastronomia Tradicional da Madeira.
Este trabalho tem como objectivo recolher e dar a conhecer alguns comeres e beberes característicos da nossa região, nomeadamente, pães, sopas, carnes, peixes, doces, açucares, ervas, especiarias, molhos, frutas, legumes e bebidas.
Para a concretização deste trabalho é necessário o aprofundamento na leitura de vários livros e a pesquisa local, a fim de recolher a informação essencial.
Este trabalho será estruturado em duas partes. A primeira, será constituída pelo levantamento dos comeres e beberes tradicionais madeirenses e das vivências gastronómicas e pela contextualização histórica. A segunda, englobará uma listagem de receitas da cozinha madeirense.
Pretende-se assim, transmitir conhecimentos sobre a nossa gastronomia tradicional, proceder a uma recolha fotográfica, disponibilizar a informação na Internet, através de um blog e divulgar o trabalho efectuado através de uma apresentação oral, para a turma do primeiro ano de Educação Básica.