quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Bebidas Tradicionais da Gastronomia Madeirense

Após o descobrimento da região e com a sua colonização, uma das primeiras culturas implantadas na ilha, foi a vinha. A zona onde havia abundantes vinhedos era em Câmara de Lobos e no Estreito. A cultura da vinha dá-se nas encostas soalheiras, nos socalcos (poios) do lado sul da ilha, nomeadamente nas zonas de Campanário e Ponta do Pargo (Dantas e Carreira, 1982: 16).
Foi devido ao nosso clima, adequado a este cultivo e aos nossos solos, que o vinho adquiriria uma boa qualidade, que foi causa da sua fama por todo o mundo. O vinho Madeira ganha reputação internacional no século XVIII e primeiro quartel do século XIX, chegando a ser “o vinho mais caro e apreciado do mundo”.
Segundo o Elucidário Madeirense (1984: 156), ditado por Santos «os “vinhos mais preciosos” exportavam-se, nos anos vinte, “principalmente para a Suécia, Dinamarca e Noruega”, onde se fazia “um largo consumo deles”. É assim muito provável que negociantes de vinho provenientes desses países andassem pela ilha interessados em comprar o produto das vindimas.»
Os Vinhos Portugueses podem-se dividir em três grandes grupos: os vinhos de consumo, os vinhos especiais e as aguardentes. Dentro dos vinhos especiais temos os licores ou generosos, os espumantes naturais e os aromatizantes (Dantas e Carreira: 11).
O Vinho Madeira é um vinho generoso, e por consequência um vinho especial. Este varia algumas das suas características conforme as castas de onde advém. As principais castas que o Madeira procede são: Sercial e Malvasia. Entre estes extremos, sendo o primeiro, um vinho seco, leve, de cor clara e perfume suave, e o segundo muito doce, espesso, cor escura e perfume forte, temos dois tipos intermédios: o Verdelho, mais próximo do Sercial e o Boal, que se aproxima do Malvasia, sendo o primeiro meio seco, forte e aromático e o segundo meio doce e macio (Danta e Carreira: 16; Figueira, 1993: 16).
O Madeira que provém da casta Sercial e Verdelho e é usado como aperitivo, sendo o Boal usado para cocktails e o Malvasia para acompanhar sobremesas e doces (Figueira, 1993: 16).
Esta última casta teve origem em Napoli Di Malvazia, tendo um sucesso pouco duradouro na Idade Média, permanecendo, no entanto, na Ilha de Creta. Esta foi a primeira casta a ser introduzida na nossa ilha por ordem do Infante D. Henrique, tendo sido importada da ilha grega Cândia ou da Ilha Creta, no século XV[1].
A sua primeira exportação para a Europa decorreu no ano de 1515, para a Corte de Francisco I, na França.
O vinho da Madeira, outrora foi chamado vinho da roda ou vinho da volta[2]. Este nome advém das características que este adquiriu nas suas viagens. Os produtores que embarcavam para a Índia e para as Antilhas, levavam consigo cascos cheios de vinho. Devido ao balanço do navio e do calor das zonas tropicais que passavam, na viagem de ida e volta, o vinho tornava-se mais forte e sumarento.
O vinho da Madeira não era utilizado pelos madeirenses comuns porque era exportado. Daí encontrar-se apenas nas mesas de alta burguesia funchalense (Alberto Vieira, 2001; cit. por Santos, 2005: 121).
O vinho surdo, jacquez e aguapé eram bebidas dos produtos do pequeno proprietário agrícola, de onde provém a base de alimentação dos madeirenses (Santos, 2005:120). O aguapé, por sua vez, era considerado bebida dos pobres.
O vinho surdo é «a fleuma da aguardente mal disfarçada pelo açúcar, feito do mosto que os camponeses guardam em cada colheita para as sua romarias e usos caseiros» (João dos Reis Gomes, 1907; cit. por Santos: 120).
Desde o século XIX as bebidas comuns dos madeirenses eram o vinho americano e o jacquez. A uva americana é frequente no Porto da Cruz e produz um vinho leve, bebido geralmente fora das refeições. No resto de ilha, com a uva jacquez faz-se um vinho forte e escuro. Este é originário das vinhas situadas nas encostas a norte e é produzido, somente, para consumo interno (Figueira, 1993: 16). O vinho jacquez era, e continua a ser, muito apreciado na nossa região e, é normalmente, servido como acompanhante de carnes e peixes (Santos: 66). Estes vinhos são conhecidos como “secos” por derivarem de produtos directos. Esses vinhos secos são depois substituídos pelo vinho de mesa. (Santos: 120-121).
Este vinho jacquez e a aguardente de cana são bebidas de produção local que eram frequentes em casas particulares e nas vendas madeirenses (Santos: 117).
A aguardente era uma bebida das camadas mais baixas, devido ao seu preço mais acessível. Esta bebida tem como sinónimos, “Grogue” e “Mata-bicho”, sendo o segundo sinónimo devido às funções de desjejum, de estimulante, de remédio para enganar a fome e para aquecer (Santos: 118)
É de salientar, também, o extraordinário terrantês, que é já hoje uma raridade na ilha.
O fabrico/produção do vinho é feito a partir do processo chamado bica aberta, sendo o esmagamento das uvas feito com os pés.
No envelhecimento do vinho é utilizado geralmente o processo de estufagem, que se baseia em deixar o vinho em estufas ao sol ou ao calor produzido pela circulação de água quente, durante meses, a temperaturas que chegam quase aos 50º C.
Existe outro processo de envelhecimento, chamado “vinhos de canteiro”, mas que já não é tão utilizado, apesar de dar características únicas e especiais ao vinho.
Entre a população havia a crença, que as crianças que eram fracas, se fossem mergulhadas durante alguns minutos no sumo da uva ainda não fermentado (o mosto), ficariam com os ossos mais fortes.
Para além dos vários tipos de vinho e da aguardente de cana temos outras bebidas regionais tais como: a Poncha, a Nikita, a Coral, a Sidra, a Sangria, Pé de Cabra e ainda um conjunto de licores, dentro deles: o Tintamtum, Licor de Tangerina, Licor de Amêndoa, Licor de Pitanga, Licor de Aniz, Licor de Maracujá, Licor de Ginja[3] e para além destas bebidas alcoólicas, encontra-se ainda o Concentrado de Maracujá, a Brisa Maracujá e a Laranjada (Tabela 4).
Falando um pouco sobre a Nikita, esta é uma bebida com origem em Câmara de Lobos, podendo ser tomada com álcool ou sem álcool. O Pé de Cabra é uma mistura de vinho seco com cerveja preta, açúcar, casca de limão e chocolate em pó. Esta bebida popular madeirense era servida nas tradicionais “casas de pastos”.
A Sidra, por sua vez, é preparada a partir do sumo de pêro “vime” ou “usado”, que é esmagado com pisões de madeira. A sua fermentação efectua-se em cascos de madeira, sendo uma bebida característica das freguesias da Camacha, Santo da Serra e Ponta do Pargo e pode ser consumida com ou sem açúcar e bem fresca.
A Poncha originária da Índia chamava-se Panche, e era constituída por cinco ingredientes: aguardente de arroz ou noz de coco, o açúcar, chá de ervas doces, água e especiarias.







Esta foi uma bebida trazida pelos ingleses na altura da colonização e adaptada pelos madeirenses, tornando-se popular, por ser vista como um bom remédio para as dores de garganta e sintomas adjacentes, sendo preparada na presença do “freguês”. Outrora, na região, esta bebida era preparada e consumida pelas populações rurais, contudo, actualmente, a poncha está divulgada e é apreciada também a nível turístico (Abreu, 1984: 344). A bebida que os pescadores utilizavam para acompanhar os pratos de peixe, era na maioria das vezes a poncha. Esta era bebida de caminheiros e romeiros (Santos, 2005: 122-123).
O Tintamtum é um aperitivo com tradição na Madeira, sendo guardado de um ano para o outro num garrafão de 5L, para assim, ser conservado e ter um gosto muito melhor (Tabela 4) (Abreu, 1984: 345).
Santos (2005: 67) refere, na sua obra, licores caseiros como os licores de tangerina e amêndoa, «cuja composição é segredo bem guardado, são velha tradição ainda muito presente nas quadras festivas em vários lugares da ilha (…).»
A Brisa Maracujá, a Laranjada e a Coral, produzidas pela Empresa de Cervejas da Madeira (E.C.M), já fazem parte da história da Madeira há mais de um século (134 anos). Estas foram distinguidas pelo Instituto Internacional para a Selecção da Qualidade das Bebidas, Monde Selection[1] (Tabela 4).
Por último, é essencial referir, a importância que o chá tem para os madeirenses que chamavam chá de fora ao chá preto, que por ser importado, era considerada uma bebida fina e rara (Santos, 2005: 65).

[1] Gastronomia madeirense marca presença no Festival de Santarém, (2006), Consultado a 2007.11.18 em: http://www.marinadas.net/garfoseletras/noticias/Outubro/29_02.html
[1] Gastronomia, (2005), Consultado a 2007.11.18 em: http://madeiraaovivo.no.sapo.pt/gastro.html
[2] Madeira, (s. d.). Consultado a 2007.11.18 em: http://www.lusawines.com/vinhoRegiaoAction.asp?regiao=29
[3] FONSECA, Ana Mafalda Amador Garcia da, (2006), Oferta Turística e Relação Turismo – Ambiente na Região Autónoma da Madeira. Consultado a 2007.11.18 em: http://www.uma.pt/Unidades/DGE/index_ficheiros/docsMestrado/Teses/Ana_Mafalda.doc#_Toc135489613

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